"A Arte é a dimensão anárquica da matéria onírica"
Gláuber Rocha

domingo, 2 de junho de 2013

FAROESTE NEGRO

O diretor René Sampaio, oriundo da publicidade, escolheu estrear na sétima arte com uma baita responsabilidade, adaptar para as telas a cultuada música de Renato Russo, “Faroeste Caboclo”. Diante de tamanho desafio, o que o cineasta estreante apresenta ao público é um filme de qualidade à altura da obra adaptada.



Pela proximidade da estreia dos dois filmes, não há como não comparar “Faroeste Caboclo” com “Somos tão jovens”. O maior acerto de Sampaio e dos roteiristas Marcos Bernstein e Vitor Atherino foi não se deixarem intimidar. Não se furtaram em mostrar a sua interpretação da letra da música e fizeram algumas alterações que deixaram o longa mais dinâmico e mais realista. Diferente de Antonio Carlos da Fontoura e do mesmo Marcos Bernstein que fizeram da cinebiografia de Renato Russo um filme tradicional demais, pouco ousado e aquém do objeto cinebigrafado. René Sampaio transforma sua obra num longa que mistura faroeste, drama e romance.



Outro grande acerto foi o elenco. Fabrício Boliveira, no papel do protagonista João de Santo Cristo e Felipe Abib que vive o grande malvado Jeremias entregam ao público interpretações mais do que convincentes. Não fica atrás também a atriz que vive a famosa Maria Lúcia da música. Isis Valverde atua de maneira competente e forma um par romântico com Boliveira de muita química. As atuações de Antônio Calloni e de Cesar Trancoso em papéis secundários também merecem elogios.

A fotografia é outro ponto bastante positivo. Consegue aliar com competência momentos de certo toque poético, como no início do filme, por exemplo, e de grande tensão como o já sabido final trágico que se dá na forma de um clássico duelo de faroeste. Final que acertadamente se mostra menos midiático e espetaculoso do que a música relata.

A escolha de Fabrício Boliveira  como o protagonista também deixa claro o caráter racial do longa. Enquanto a música apenas sugere, tanto na letra quanto no título uma mestiçagem, o filme sai do subentendido para explicitar um Santo Cristo realmente negro, enfrentando a discriminação de autoridades e da classe média brasiliense.




Se “Faroeste Caboclo” não chega a ser uma grande obra prima, pode ser considerada uma baita estreia com pé direito para René Sampaio. Fãs do cultuado Renato Russo com certeza não terão muito do que reclamar. É só assistir ao filme e sair da sala cantando a música que acompanha os créditos ao fim da sessão.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

JOVEM E SUPERFICIAL





Ao final de “Somos tão jovens”, vários sentimentos e sensações passaram por mim. Um saudosismo por Renato Russo me lembrar muito de minha infância e adolescência. Assim como outro grande mito do cenário musical oitentista (Cazuza), as músicas do líder da Legião Urbana participaram da minha formação como pessoa.  A alegria de ver um filme de um cara de quem sou fã é automática. Traz de volta uma aura do Renato. Porém, em virtude do maior problema do filme, a superficialidade, essa aura não dura muito. Pouco depois de deixar o cinema, todos esses sentimentos se enfraquecem, a euforia vai embora e o que fica é a sensação de que a cinebiografia foi muito aquém do que o músico representa.


O filme não se aprofunda nas questões que realmente moviam a pessoa. O longa já parte para a construção de um mito, que por si só já está estabelecido. Todo o roteiro age em prol dessa idéia. Do Renato Russo midiático. A interpretação do ator Thiago Mendonça contribui para essa imagem. O ator parece demorar um pouco para atingir o tom perfeito do personagem. E quando isso acontece, nos entrega uma interpretação bastante interessante do músico, mas que contém alguns trejeitos que dão a idéia de Renato predestinado para virar um mito. Nada contra a idéia dele ser um predestinado. O problema é que o filme não nos mostra o interior do Renato. Soa apenas como um retrato com uma pose bonitinha, mas que nos deixa sem muitas informações, não passa disso. Parece que o grande objetivo do diretor é apresentar Renato Russo para as gerações mais jovens, ficando apenas com a figura do mito, e evitando se aprofundar na pessoa.


 O resultado não é um filme ruim. Tem boas atuações, boas músicas. Um filme bem feito, pena que seja apenas isso. Bem feito, porém simples e superficial. Uma cinebiografia que foge de polêmicas, sobre um cara de personalidade tão forte quanto era Renato Russo, deixa, depois de toda a euforia de rever parte da história de um ídolo, uma sensação de que poderia ser mais, muito mais.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

"HOMEM DE FERRO 3": O INIMIGO AGORA É O MESMO



     Se tem um vilão do cinema contemporâneo que com certeza já tem seu lugar na história da sétima arte é Anton Chigurh. Brilhantemente interpretado por Javier Barden, o antagonista de “Onde os fracos não têm vez”, dos irmãos Cohen, é a própria personificação da violência. Ele surge do nada e vai para o nada. Ele mata porque essa é a sua função, essa é a sua natureza, esse é o seu estilo de vida, código de honra e etc.

     Anton na verdade é apenas uma representação da violência, do terror. Ela não tem um rosto específico. Pode surgir de um traficante, de um terrorista, um usuário de drogas ou mesmo do marido com a própria esposa. Mas, ao mesmo tempo em que ela não tem um rosto, ela pode assumir vários rostos. Muitas vezes são construídos rostos para que a sociedade, que tem necessidade de dar um rosto ao terror, tenha alguma sensação de segurança, mesmo que ilusória. E, não raro, esses rostos são construídos estrategicamente para desviar o foco de onde realmente a violência está vindo. A violência já teve o rosto de Saddam Hussein, quando na verdade o terror maior, em termos globais, estava em outro lugar.

     Em um determinado momento do filme “Homem de Ferro 3”(o melhor da franquia até aqui), Aldrich Killian, vivido por Guy Pearce, diz que só deu um rosto ao terror ao usar de uma artimanha que não posso revelar sem estragar uma surpresinha do filme. Mas o que ele diz é justamente o que expus no parágrafo acima. Na verdade, ele mesmo acaba sendo somente um rosto. Seja este fictício como o do Mandarim (na pele do ótimo Bem Kigsley), do Aldrich, seja real como o do Bush, Bin Laden ou Nem da Rocinha, são só rostos que representam uma violência cada vez mais global impetrada pelo sistema capitalista.


     O capitalismo não inventou a ganância, o egoísmo, e outros sentimentos tão pouco nobres e cada vez mais crescentes em nossa sociedade. Mas foi o capital que os exacerbou. Ele os eleva até a máxima potência. Não interessa se milhares de iraquianos, afegãs ou palestinos irão morrer, o que interessa é a manutenção do sistema e dos países que o encabeçam.

“Homem de Ferro 3” não é um grande filme filosófico. Nem aprofunda tanto essas questões. Mas as levanta. E isso por si só já é louvável em um mega filme comercial como é o caso. Em certo ponto, até rechaça a patriotada americana tão típica dos longas hollywoodianos (como na crítica de Tony Stark à mudança do nome da armadura que criou para o seu amigo James Rhodes (Don Cheadle)de Máquina de Combate para Patriota de Ferro. Sem falar que é bom ver um filme, que é notoriamente comercial, ter também uma preocupação com o roteiro (que é bom) e não só com as já rotineiras explosões e clichês desse tipo de obra.

Outra coisa a se destacar é a atuação de Robert Downey Jr. O ator está cada vez mais à vontade vivendo o protagonista Tony Stark que é um personagem que tem lá sua complexidade. Dá o tom perfeito ao personagem variando muito bem entre o drama e o humor típico do herói.

Mais uma vez. Não quero enganar ninguém. “Homem de Ferro 3” é um filme comercial, com efeitos de computador e explosões a três por quatro, e que com certeza irá explodir também na bilheteria. Entretanto é um longa que pode nos levar a refletir um pouco, ainda mais em tempos de ataque terrorista em Boston, ameaça de guerra entre Coreias e o eterno conflito entre Israel e Palestina. Lembremos que os rostos e nomes mudam, mas o real inimigo continua sendo o mesmo.

Nilvio P. Pinheiro

domingo, 20 de janeiro de 2013

DJANGO LIVRE, TARANTINO POLÊMICO E GENIAL




Quentin Jerome Tarantino, desde “Pulp Fiction” – que não foi seu primeiro filme, mas foi o que jogou holofotes sobre sua obra – vem conquistando não só admiradores de seus filmes, mas uma legião de fãs que idolatram e vibram com sua maneira de filmar.

O diretor americano, porém, não escapou também de angariar alguns detratores. Críticos que não simpatizam muito com seu jeito peculiar de fazer longas. Isso porque, errando ou acertando, Tarantino faz os filmes que ele quer, do jeito que ele quer. Não se importa com a chatíssima onda politicamente correta que toma conta da sociedade. Não se preocupa se sua arte vai gerar polêmicas ou não.
Dessa forma, seu mais novo filme “Django Livre” seguiu a cartilha de polêmicas tarantinescas. Assim como seu antecessor, “Bastardos Inglórios” que gerou polêmica por mexer no campo minado que é a questão da segunda guerra mundial, mostrando como protagonistas um grupo de soldados de origem judaica tão cruéis e sanguinários quanto os nazistas, “Django Livre” criou grande polêmica com a questão sempre espinhosa da escravidão. Ainda mais num país tão preconceituoso como os EUA.A polêmica já surgiu com uma declaração de Spike Lee afirmando que não iria ver “Django Livre” pois a história da escravidão nos EUA foi um holocausto e não um western spaghetti. Depois de Lee, vieram críticos e até historiadores opinando sobre o filme.

A verdade é que, polêmicas à parte, “Django Livre” é mais um excelente filme feito por Tarantino. O roteiro escrito pelo próprio diretor é impecável. A fotografia de Robert Richard é fascinante. O elenco esbanja competência e conta com um show de Cristoph Waltz. A trilha traz uma boa mescla entre músicas que lembram bem os antigos filmes de faroeste no melhor estilo Sérgio Leone e black music representada pelo hip hop de protesto norteamericano. A sanguinolência habitual de Tarantino é aliviada por boas doses do humor peculiar do diretor. O resultado disso tudo é um filme que se não chega a ser tão bom quanto o anterior “Bastardos Inglórios”, aproxima-se muito.

O longa conta a saga de Django (Jamie Fox), um negro escravo que torna-se um homem livre e tenta resgatar sua esposa que é escrava numa fazenda. Na primeira metade do filme, Django atua como caçador de recompensas ao lado do dr King Shultz, personagem de Waltz. É nessa parte do filme que Tarantino nos apresenta uma espécie de homenagem ao gênero de faroeste. Na segunda metade, o filme assume um tom mais épico e político. Onde o protagonista vive quase um epopeia para resgatar sua esposa da fazenda do personagem vivido por Leonardo Dicaprio.

“Django Livre” está longe de ser um filme definitivo sobre a escravidão em solo americano, mas também não é um mero spaguetti. É sim um grande filme sobre amor, sobre escravidão, sobre vingança, que traz várias referências cinematográficas e com certeza fará com que o público não saia da sala do mesmo jeito que entrou.

 Nilvio P. Pinheiro

domingo, 11 de novembro de 2012

ARGO, A GRATA SURPRESA DE BEN AFFLEC


     Quem assistiu a filmes como “O Pagamento”, “Sobrevivendo ao Natal”, “Demolidor – O Homem sem medo”, entre outros filmes medíocres estrelados por Ben Afflec, não deve ter pensado muito diferente de mim, que o ator californiano é um merda!
     Pensei isso dele por um bom tempo, e mesmo quando ele começou a ganhar boas críticas na direção de “Medo da Verdade”, ainda me mantive cético quanto a seu talento. Porém confesso que esse ceticismo se viu forçado a ruir hoje, após assistir “Argo”, filme em que Ben Afflec dirige e atua.
     Ben Afflec redime-se e também joga um pouco de alento no cinemão americano que produz muito mais lixo do que filmes apreciáveis. “Argo” é um filme político de qualidade indiscutível. A história se passa em 1979, após a invasão da embaixada americana no Irã por manifestantes que pediam a deportação do ex-governante iraniano, Xá, um ditador iraniano que chegou ao poder através de um golpe de estado chancelado pelos EUA por meio da CIA e foi responsável por um período de miséria do povo iraniano. Xá foi deposto após a Revolução Iraniana e conseguiu asilo na sua nação-madrinha,  os EUA. Diante disso, militantes revolucionários tomaram a embaixada americana em Teerã e fizeram reféns os funcionários que lá se encontravam. O objetivo era forçar os estadunidenses a libertar o ex-ditador.
     Em meio à confusão, seis reféns escaparam e foram parar na casa do embaixador do Canadá no Irã. Para libertá-los antes que os iranianos dessem por falta, o agente da CIA, Tony Mendes, interpretado de forma sóbria e competente por Afflec, tem uma ideia absurda: tirá-los de lá através de uma equipe falsa de produção de um filme falso fruto de um roteiro tosco de ficção científica. A ideia é surreal, mas é verídica.
     A partir daí, a trama se desenvolve em um filme tenso, com doses de humor que suavizam a tensão psicológica carregada no filme. Outro ponto para Ben Afflec e para o roteiro é fugir da patriotada tradicional estadunidense. O filme não se furta em deixar no ar críticas à CIA e ao governo.
     Em “Argo”, Ben Afflec mostra amadurecimento como ator e, principalmente, como diretor. Os créditos finais mostram ainda o ótimo trabalho de reconstituição histórica do filme. E traz ainda uma fala do Jimmy Carter falando da missão hipersigilosa que contribuiu para a “integridade” do país. Integridade estadunidense, talvez seja uma espécie de última piada do filme.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

VIVA A TRISTEZA



Não, não vou falar mal da tristeza, não seria justo. Eu devo a ela minhas profundidades, minha imaginação, minha volta por cima. Graças a ela vislumbrei coisas importantes para mim. Músicas que várias pessoas conhecem. Cartas, textos, coisas que ninguém vai ler, mas que me serviram em algum momento. Mergulhei no pôr-do-sol, uivei prá lua, encostei a cabeça na janela naquele dia de chuva e ouvi a música mais linda do mundo.

Num dia triste, me sentindo fora do planeta, fui ao cinema e vi "Blade Runner".
Num dia soturno fui caminhar na praia e vi a onda mais azul, o céu mais infinito e o horizonte mais perfeito.Num dia triste li e reli Fernando Pessoa e não me senti só.

Num dia assim triste uma criança correu e abraçou as minhas pernas, cutucou minha esperança, me confundiu com alguém querido e me fez ligar para alguém que eu amava.

Num dia cinza eu me senti vivo e quis virar lápis de cor. 

Num dia oco eu procurei motivos novos e antigos pra me preencher de novo e foi até divertido.

 Num dia assim-assim trouxe um cachorrinho prá casa, que virou meu maior menor companheiro. 

Num dia tristíssimo procurei por você e sua voz me encheu de sorrisos o resto do dia. 

No dia mais triste do mundo eu perdi um amigo. No dia seguinte, ainda triste, agradeci por ter tido um dia um amigo que me valesse tanto. 

Num dia infinitamente triste eu cantei, minha voz era a voz da tristeza que percorria o meu corpo.  E fiz um monte de gente feliz. 

E também para que não percamos o poder de ação, precisamos olhar para a tristeza, precisamos nos indignar com ela, precisamos desejar a alegria genuinamente.
Com essa mania de corrigir tudo no computador, acabamos facilitando nossa fragilidade diante de tudo.Ortografias, fotos, cores, sorrisos, a vida vai virando um show de Trumman de verdade!

Você ouve uma voz, mas não tem certeza se foi corrigida ou não, vê uma foto, mas não sabe se há silicone, injeções ou Photoshop, lê um texto e a autoria fica vagando pelos sites. 

Um olhar positivo sobre a vida é sempre fundamental, mas, neste mundo em que vivemos, ter como exigência o riso é quase uma falta de respeito... Ou de consciência. Sei lá, vejo as pessoas querendo morrer de rir, muitas só vão ao teatro só se for comédia, e isso me assusta um pouco. 

Se não entrarmos em contato com as consistências das coisas e suas eventuais tristezas, como podemos acreditar na alegria quando ela vem?

Zélia Duncan

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O PAÍS DA HIPOCRISIA



O PAÍS DA HIPOCRISIA

Existe um país onde o que reina é a hipocrisia. É o País da Hipocrisia.
Qualquer semelhança entre sua amada pátria e este exótico país
é pura coincidência caro leitor ou cara leitora.
O país do qual vou falar é único no mundo.

No País da Hipocrisia, líderes religioso criticam a tudo e a todos
Que não seguem a chamada Palavra Divina
Mas eles mesmos cometem atos até piores do que os que eles criticam.

No País da Hipocrisia, traficante de drogas vai preso,
O usuário de drogas é torturado
Mas empresários e políticos que sustentam esse negócio
Estão livres, leves e ricos.

No País da Hipocrisia, não se pode consumir bebida alcoólica nos estádios de futebol
Mas o torcedor pode se matar de beber do lado de fora
Para depois entrar no estádio

No País da Hipocrisia, não se pode beber e dirigir
Mas legislar e governar embriagado e até drogado
Não tem restrição alguma

No país da hipocrisia, policiais
Os responsáveis pelo cumprimento da lei
São os primeiros a transgredi-la

No País da Hipocrisia, o povo reclama, reclama, reclama,
Mas, além de não fazer nada para mudar,
Vota nos mesmos políticos corruptos de sempre

No País da Hipocrisia, políticos dizem que a Educação e Saúde são prioridades,
Mas profissionais das duas áreas estão sempre em segundo plano

Sei que vocês meus caros leitores e minhas caras leitoras
Devem estar pasmos agora em saber
Que tais coisas acontecem ainda em pleno século XXI

Esse País da Hipocrisia é uma verdadeira Ilha da Fantasia do Mundo Bizarro
Devemos levantar as mãos para o céu por viver no Brasil
Se vivesse em um país como o País da Hipocrisia,
Já teria me matado
Desculpem-me, na verdade
Não teria coragem
Estou sendo hipócrita.

Nilvio P. Pinheiro